domingo, 27 de setembro de 2009

Back in Bahia - Gil

“hoje eu me sinto como se ter ido fosse necessário para voltar / tanto mais vivo de vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá.”

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Tarjeta

Meu carro perdeu seu charme. Após seis anos carregando garboso a placa da serra, sendo único em minha garagem, minoria no meio do trânsito caótico da cidade grande, perdeu sua identidade, rasgou minha fantasia, ficou comum junto a tantos. Agora pode-se identificá-lo pelo número, pelo amassado na mala, pelo interior, mas não mais por sua tarjeta indicativa da cidade em que viveu e onde sonhou tanto. Agora, quando subir a serra, terá dúvidas nas curvas e não mais despertará inveja nos outros automóveis, tão turistas quanto ele. Não mais será tratado com reverência, como filho da terra, como conhecedor de todas as estradas que levam ao paraíso. Será mais um para atravancar as ruas estreitas em feriados, mais um usurpador da tranquilidade alheia. Após a tarjeta de sua placa ter sido arrancada sem cerimônia pelo sujeito truculento, apenas dois elos me ligam à serra de minha vida.

MPV – julho 2009

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Maresia

Ai, esse cheiro de maresia que invade meu nariz sonolento, meus sonhos futuros, esse aroma de infância, de mergulhos no mar, de andanças na praia, de crescer e viver em uma cidade que aspira a maresia. Fecho os olhos, respiro e todo esse cheiro de maresia embalará meus sono, quisera eu mergulhar lá ali aqui pertinho agora.

MPV – junho 2009

quarta-feira, 20 de maio de 2009

A Mesma História

Fontes seguras informam sem hesitar,
Dizem as más línguas,

Que na travessia do hemisfério Sul para o Norte
Que no voo internacional São Paulo-Miami,

Após uma semana de comemorações inesquecíveis,
Após uma semana enchendo a cara de cachaça,

A moça bonita, delicada e cheirosa,
A bebum farrista com hálito de álcool,

Que não consegue descansar em aviões,
Que nunca dorme naquela caixinha infernal de poltronas apertadas,

Encontrou uma posição confortável,
Encostou no ombro da velha gorda sentada ao lado,

E adormeceu serenamente.
E dormiu de roncar e babar no ombro da velha.

Mais tarde, foi gentilmente acordada pela doce aeromoça,
Lá pelas tantas, foi sacudida pela aeromoça impaciente,

Perguntando se a moça bonita estaria com fome,
Perguntando se a bebum queria comer,

Servindo, em seguida, um apetitoso jantar.
Entregando, em seguida, uma gororoba inominável.

No momento do jantar,
Para comer a gororoba,

A moça bonita saiu de sua posição inicial e esticou os braços, suspirando,
A bebum desencostou da velha resmungona e se espreguiçou, bocejando alto,

E calmamente apreciou o banquete.
E se atracou com a comida que não via há mais de doze horas.

Terminado o serviço de bordo,
Terminado o corre-corre das aeromoças,

A moça bonita e cheirosa se acomodou novamente para descansar.
A bebum com cheiro de álcool desmaiou novamente no ombro da velha gorducha.

Ao chegar em seu destino,
Quando chegou,

A moça bonita e cheirosa,
A farrista alcoolizada,

Espantada, exclamou em doce voz:
Espantada, berrou:

“Nossa, é a primeira vez que consigo adormecer por tanto tempo em um avião!”
“Putz! É a primeira vez que consigo desmaiar durante o voo.”

“Também... Fiquei tão cansada durante a semana...”
“Também... Bebi todas durante a semana!”

MPV – maio, 2009

terça-feira, 19 de maio de 2009

Vinte anos sem nós

E num piscar de olhos os anos voaram, passaram sem que sentíssemos, sentindo minuto a minuto que não estávamos ali onde éramos suposto estar. Não há fotos, não há lembranças, não há momentos passados, não há risos inesquecíveis. Não estivemos juntos nos casamentos, nascimentos, no crescimento, não vivemos.

Vinte anos sem nós mesmos. E agora, o outono, já no inverno, tentamos rir o que ficou preso, beber os brindes não feitos, até cair, literalmente, no chão, rolados da cama. Somos carregados no colo das emoções não vividas e choramos novamente quando o tempo voa e é hora de partir. Cada um em um canto do planeta, tentando reconstruir em breves reencontros o lego familiar que ficou sem telhado.

A lacuna irrecuperável em nossa linha da vida, essa jamais será preenchida, já passou e não estávamos lá.

MPV – maio 2009

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Espírito de Porco

PARA TERMINAR O MÊS DE ABRIL, A CONVERSA QUE COMEÇOU EM FEVEREIRO....


NANASHARA DIZ: Queridos Beibes, como Zébelê enrolou, enrolou e não conseguiu ainda enfiar o cabinho que liga o buraquinho da máquina de fotos ao computador e me enviar por email as fotos HÁ tempos imploradas, tive que apelar para imaginação e fui buscar algumas outras em arquivos alheios. AGORA... Se alguém aí quiser cd com as fotos originais isso vai ser outra estória... O filminho em anexo é para rir pelo passado e continuar tendo a capacidade de rir no presente e no futuro... Meu livrinho já ficou pronto mas, pelo andar da carruagem, é capaz de eu conseguir publicar o segundo antes de encontrá-los novamente. (E de receber as fotos do Zébelê!!!!!). Espero que o carnaval tenha sido bom, mas tenho cá minhas dúvidas se foi TÃO engraçado como já foi. É da vida... Mil beijocas, N.

Um PS se faz necessário: Para enviar o filmete por email, tive que configurá-lo em uma resolução mais baixa, perdendo qualidade. Na resolução boa, (não é a excelente) o arquivo fica com 16Mb. Só gravando em Cd. Quem quiser, avise, que eu gravo e troco pelas fotos do Zébelê.

RIROCA DIZ: ADOREI !!! Quero este CD com as fotos !!! Me entrega junto com o livro !!! Ai que delícia ver estas fotos e fazer parte destas histórias !!! bjssssssssssssssssss.

PEDROBABY DIZ: Realmente, vários suspiros depois (meio viadinho isso né!) estou me programando para reassistir o filme, em velocidade reduzida para saborear cada foto, relembrar os momentos, pensar nas pessoas que estavam juntas, em cada um e sua particularidade e que somaram tanto. Fala Zambelê meu camarada, pessoa tão especial. Rinoceronte !!!! É o bicho, a força, o equilíbrio... Fala Riroca, alegria em pessoa, ziriguidum na veia, com um mix holandês que se achou nessas praias Alagoanas. E fala Nanashara, cola, memória, centrada e desafio !!! Muitas vezes coruja (a que os outros chamam (nós) podemos chamar de mestre!) (todo mundo conhece a piada!) Em suma prazer em nos ver !!!! Relendo o mail: muito viadinho, mas já foi ...[]s

NANASHARA DIZ: Mago, sentimentos nunca são "viadinhos". São sentimentos. E é muito bom expressar. Adorei seus comentários. bjs, N.

ZÉBELÊ DIZ: Pessoal, estou meio perdido nesta historia, vendo as trocas de email... O fato é que não recebi filme nenhum, como este que o Baby viu rápido, fez comentários homoafetivos, e agora se programa para assistir devagar... Tenho certeza que foi vingança da nossa irmã "centrada" porque eu ainda não tive tempo de fazer o download das fotos do meu recentíssimo aniversário. O CD então, nem pensar (também é uma piada que todos conhecem)

NANASHARA DIZ: vai, zébelê, procê, anexado, mas em baixa qualidade. em boa resolução só quando eu gravar cd procês (16Mb) mas só gravo depois de receber as fotos do niver. bjs, N.

NANASHARA DIZ: Bom, galera, Mandei, DE NOVO, o email com o filmete prometido pro zébelê, que deve continuar bebendo xiboquinha em feira, pra não ter recebido. Mandei só pra ele pra não encher o saco de quem já recebeu e comentou. Os cds com o filme em boa resolução só gravo depois que ele disponibilizar as fotos do niver dele pranóis. bjs, N.

RIROCA DIZ: Epa !!! Agora quer dizer que só terei o meu CD depois que o Zamb liberar as fotos do niver ... mas isso pode levar mais 10 anos para acontecer ... protesto !!! Eu estou grávida e tenho prioridade total na liberação deste filme em CD !!! Ô Zamb ... deixa a xiboquinha de lado e libera logo essas fotos !!! Quanto aos comentários do nosso desconectado Lerdo quero dizer que também achei de uma sensibilidade fora do comum e que de homossexual não tem nada ... mas se vc se sentiu assim ... libera esse seu lado gay que você vai longe Lerdo ... rs. beijos, Ri.

ZÉBELÊ DIZ: Ainda não recebi nada. Além de vingativa, é torturadora... diz que mandou o filme só para criar expectativa, mas não manda nada... PS- Vou dar máxima prioridade em baixar as fotos do aniversário... Bjs

NANASHARA DIZ: vc deve ter um programa que bloqueia as mensagens grandes!!!!!!!!!!!!!!o filmete tem 7Mb vê se descobre, engenheiro!

PEDROLERDOBABYDIZ: iiiiHHHHHHH !!!!! Mexeu com os brios !!!!!! Engenheiro !!!! []s

ZÉBELÊ DIZ: Isto não é um filme, é um longa metragem. Mande para meu email de casa.

NANASHARA DIZ: não é longa não, zébelê! é curta! curtíssima!!!! mas vou tentar o email de casa, vamos ver se vai agora! Bjs.

NANASHARA DIZ: Caríssimos Fios de Beibe, irmãos! Andei ouvindo pelos corredores do Congresso Nacional, mais precisamente pelos novos habitantes, que Zébelê teria enviado as fotografias IMPLORADAS, tiradas no aniversário dele, para o meu humilde email, com capacidade ILIMITADA, diferentemente do dele, elitista, que se nega a receber mensagens enviadas pelos irmãos. Acho que Zébelê, depois que fez 51, achou que era uma boa ideia (aha! sem acento! já pela nova ortografia!!) e bloqueou o nosso acesso e se recusa a receber filmetes que deve achar bobos e infantis, realizados pela turma com menos de 50. Não querer receber o email é uma coisa, mas MENTIR descaradamente para uma grávida em repouso absoluto, só à espera do dia é crime de lesa-pátria! (esse hífen não sei se ainda existe, eles só complicaram com os hífens!!) Mano Zébelê merece castigo! Tô pensando seriamente em jogar na net fotos comprometedoras de um hipopótamo sem uma orelha para ele ver se aprende. Tenho dito! E ainda espero as fotos! E nada de enviar pelo picasa com aquela resolução xexelenta! Tô soltando fogo pelas ventas! Nana

ZÉBELÊ DIZ: estou sem tempo para responder tanto desaforo, mas com certeza esta irmã está doida. Não leu o email que mandei nem acessou as maravilhosas fotos do Picasa. Sds

PEDROLERDOBABY DIZ: Fotos de hipopótamo sem orelha??? Onde foi isto, África? Estou curioso... Boa ideia .. Zebelê... Fotos? Sds

NO MEIO TEMPO, PAUSA PARA O PARTO. NASCE O FILHO DE RIROCA. ELA ACOMPANHA A TROCA DESAFORADA, MAS ESTÁ ZEN NO PARAÍSO.

NANASHARA DIZ: Finalmente, depois de um longo e fervente verão, o Zébelê resolveu enviar míseras oito fotinhas do níver dele!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! e pelo picasa que tem a mais baixa resolução de todas as galáxias!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! zébelê precisa de puxão de orelha!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

ZEBELÊ DIZ: Só vou dizer uma coisa: já tinha mandado estas fotos há mais de 2 MESES, você é que provavelmente deletou o meu email SEM LER. Sds

NANASHARA DIZ: zébelê, alto lá! primeiro, não deleto nenhum email sem ler, ainda mais de pessoas autorizadas em minha caixa postal

ZÉBELÊ DIZ: Se não deletou, é porque ainda nem nem leu, pois já tinha mandado há mais de um mês.

NANASHARA DIZ: é pq não chegou, dã........você fingiu que mandou, mas com a idade tá ficando mentiroso! NÃO CONSIGO VER NINGUÉM!!!!!!!!!!!!!

ZÉBELÊ DIZ: Compra óculos, porque eu consigo ver todo mundo.

NANASHARA DIZ: De novo! tem usado a lupa direitinho?????? toma tento e manda por email, mas esquece o picasa! isso não serve pra nada! no dia em que vc quiser uma foto para imprimir não vai ter nenhuma!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

ZÉBELÊ DIZ: Para imprimir foto comigo aparecendo, só com autorização, senão eu processo.

NANASHARA DIZ: e eu lá vô querer imprimir foto de zébelê?!?!?! é só pra oiá mió....manda as fotos!

ZÉBELÊ DIZ: mando, mas esta operação pode demorar um pouco...

NANASHARA DIZ: Talvez antes dos sessenta, zébelê?!?!?

ZÉBELÊ DIZ: Quando receberem um email de ZEBELÊ não deletem correndo, como a nossa amiga NANA provavelmente fez, para não deletarem as fotos (isto, quando eu mandá-las, não sei quando será) Sds

NANASHARA PERDE AS ESTRIBEIRAS: putz grila!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! nunca vi piolho maior!!!!!!!!!!!!!!!!!!! manda as fotos, zébelê! vale como presente de aniversário, sábado, caso você não tenha anotado naagenda do mickey.... N.

ZÉBELÊ DIZ: Então vou antecipar os parabéns porque vou viajar para fora na sexta. Felicidades, muita saúde, paz e sucesso. TIRE MUITAS FOTOS. Beijo

NANASHARA DIZ: Zé, leva máscara! Cuidados com os porcos! Boa viagem, N.

ZÉBELÊ DIZ: vou voltar mascarado............ Sds

NANASHARA DIZ: não acredito!!!!!!!!!!!!!!!!!!! é o próprio espírito de porco! acho que quem começou essa gripe foi o Zébelê!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! N.
PEDROLERDOBABY DESAPARECEU DA FACE DA TERRA.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

"Ela late para mim todos os dias e eu fico aqui em cima só observando."
"Deixa, que um dia ela desce..."


Outono no Rio

Eu e Shee vagamos por um mundo em tons de cinza, bruma e cheiro de grama orvalhada, caminhamos pela estrada reta, não enxergamos seu fim, continuamos passo a passo, firmes em nosso propósito de não pararmos. Ela vai com o focinho parecendo um limpa trilhos de trem, cheirando tudo, mas firme em frente. Subimos e descemos pequenas elevações, e continuamos fortes em frente. Não tem fim essa estrada, o sol já esteve atrás de nós, já esteve por cima de nós, agora começa a baixar lá na frente, em breve virá o lusco-fusco, em seguida a escuridão, a estrada em que andamos não tem iluminação, talvez não tenha luz e continuamos em frente. É outono no Rio e eu acordo empapada em suor de tanto andar.

MPV – abril 2009

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Tô sem tempo... vontade de escrever aqui sobra, mas tempo que é bom... vou ali e já volto.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Não Reconheço

Não te reconheço em ti. Não te busco porque não te encontro. Não sei onde estás, onde fostes te esconder, como chegastes aí. Mais além, porque chegastes aí. Porque resolvestes fechar tanto a mão por amor. Fechastes mãos, boca, portas, janelas, compartilhar tuas dores nunca foi teu forte, mas tua concha, que aparenta estar aberta, está fechada para olhares mais atentos. É possível que mesmo tu não tenhas percebido as portas cerradas. Não reconheço teu amor assim distante de ti, longe dos teus, como a castigares a ti e aos teus, como se o modelo antigo tivesse te exaurido, como se o modelo novo te aprisionasse, como não houvesse saída, como se a essência houvesse mudado e a essência não muda, lembras? Tua essência sempre foi liberdade, sol, improviso e riso. Não encontro tua essência. Acreditas que o problema está nos outros, mas os outros são tantos e com os mesmos problemas que cabe a pergunta: O problema está só nos outros? Não reconheço teu amor assim distante de ti, longe dos teus, numa constante faxina material como se arrumar o exterior organizasse o interior. Não reconheço teu amor assim distante de ti, longe dos teus, como se não existisse uma imensa e larga escala de cores entre o preto o branco, entre a convergência total e a ausência de todas as cores. Não reconheço teu amor assim distante de ti, longe dos teus, aguardo. Dias melhores virão.

MPV – março 2009

sexta-feira, 20 de março de 2009

Juventude

Ele cruzou o portão principal da universidade em cima de uma bicicleta comum a caminho de casa. Vestia longas bermudas cáqui e camiseta marinho, mochila colada nas costas e cabelos louros curtos balançavam enquanto pedalava contra o vento. Não devia ter mais do que dezoito anos e acompanhei seu trajeto jovem, sentada ao volante de meu carro. Passou embaixo do viaduto, subiu na calçada, onde não há ciclovia e esperou no sinal fechado, como todo mundo. Era a personificação do futuro. Bonita figura do nascer de um homem. Belo exemplar físico do que gerações de cruzamentos variados criaram para o século XXI. Parado no sinal, passou as mãos pelos cabelos e ergueu o torso da incômoda posição das pedaladas. Parado no sinal, esperando como todos, fez planos para o show de logo mais, para o encontro com os amigos, de qual caminho tomar. Avançou antes dos carros, na liberdade de seu meio de transporte, com a inquietação dos vinte anos. O mundo pertence aos vinte anos, nada de mal acontece, a estrada ainda é longa e avançar o sinal faz parte do cotidiano carioca de todas as idades. Seguiu na calçada já com ciclovia e continuou sem esforço, sem pressa, pedalando ao sol dos últimos dias de verão. Imaginei o que faz quando chove. Pega um ônibus? Porque, mesmo que tenha carro, não tinha o perfil de quem se tranca dentro de quatro portas com um motor. Suas pedaladas são sua liberdade, seu caminho, seu desvio. Não... mesmo quando chove, usa a bicicleta. Chega molhado e ri, espera embaixo da marquise, mas não abdica de seu livre pedalar. Acompanhei-o curiosa por mais algum tempo, até que ele virou à direita e eu segui para a Lagoa.

MPV – março 2009

quinta-feira, 19 de março de 2009

Um dia casei

Um dia casei. De verdade, assinei papéis, conversei com o padre, jurei amor eterno. Igreja Nossa Senhora do Monte do Carmo, Praça XV do Rio de Janeiro, o gráfico que imprimiu os convites, orgulhoso, quis escrever o endereço todo só para usar os algarismos romanos da praça. Casei de branco, vestido lindo e véu moderno, esperei no carro dando voltas no quarteirão para chegar na hora marcada para os sinos badalarem. Sempre adorei sinos de igreja. Ainda paro para ouvi-los. No sinal, um menino de rua se aproximou do carro para pedir uma moeda e me viu, naqueles tempos os carros não usavam o filme escurecedor de vidros que hoje em dia carregam. Ele me viu e o sorriso que deu ao murmurar maravilhado: - uma noiva!... carrego comigo até hoje (terá sobrevivido à vida nas ruas?). Quando o carro arrancou, deu um tchau e correu de volta para sua calçada. Noite estrelada, sem riscos de chuva ou trovoadas, meio de junho de um ano perdido lá atrás. As portas imensas da igreja fechadas, convidados lá dentro, alguns do lado de fora ajudavam a arrumar o vestido, quarenta metros de tule embaixo da saia rodada, lindo vestido, já falei? Quando o estilista desenhou para mim, veio com meu nome escrito. Era simples e chique, sem rendas ou bordados e com uns cem mini botões do decote à barra. Um laço imenso, atrás, dava um toque bem da época. O estilista e o irmão já morreram faz tempo, os dois de aids, em épocas próximas. Uma tristeza, eles eram ótimos. Minha prima veio do sul com uma roupa de parar o trânsito e uma estória que até hoje arranca gargalhadas de quem ouve. O máximo. As músicas todas trocadas, nada que havia sido combinado, acabei entrando com a que falei que não queria de jeito nenhum, porque me lembrava programa de auditório da minha infância. Nervosa do jeito que eu estava, ainda assim ouvi a música tocada-trocada. Meu pai me conduziu pela nave, parecia um deputado em eleição, orgulhoso, cumprimentando o povo, em direção a um noivo sorridente. Nada do que se faz hoje em dia eu quis, achava cafonérrimo: não quis cortejo de padrinhos, não quis desfile de convidados e se pudesse, acho que teria entrado pela sacristia. Não quis pétalas caindo na cabeça, não quis fotos no altar e as músicas que quis não tive. Houve uma época em que não se podia usar música popular nacional ou não em casamentos na igreja, e as opções eram poucas para meu gosto de então. O padre, amigo da família, fez uma missa emocionada que só fui assistir no vídeo, claro. E, tempos depois, meu irmão distraído gravou gols por cima na fita, cortando toda a entrada e minhas lágrimas de nervoso. No altar, uma madrinha de preto. Eu havia pedido: preto, branco, vermelho, roxo, não! Lá estava ela, vestida de urubu. Outra madrinha deu o cano na hora. Um padrinho ficou sozinho no altar, só vi lá. Dos quinze, só restam cinco em minha vida. Os queridos morreram, os outros desapareceram na bruma da estrada. Na saída, acho que a tropa do altar veio atrás de nós dois, mas aí já não importava mais. Os cumprimentos demoraram anos, e eu lembrava de minha outra prima que dizia que colocaria um boneco agradecendo quando chegasse sua vez. Lembro vagamente da festa em seguida, sem música porque também achava cafona casamento com música. E naquele tempo era música, não era o funk de hoje em dia... O matrimônio não durou muito, mas a cerimônia, proporcionada por meus pais, perdura até hoje. É uma lembrança linda, que carregarei comigo.

MPV – março 2009

quarta-feira, 18 de março de 2009

Como falar de amor?

“Você descreve situações com tanta calma, tanto amor, quem lê o que você escreveu acha que o autor é uma pessoa tranquila... Fale mais de amor...”

Como falar de amor se ele adormeceu, dopado por uma dose cavalar de clonazepam? Como falar de amor se ele viajou, tirou férias de mim, retirou-se de cena e me disse, baixinho, que não sabe se volta? Como falar de amor com contas a pagar, com a falta de dinheiro, com o buraco do peito que desceu para o bolso? Como falar de amor com o menino mortinho de tanto cheirar cola, estirado na calçada, com transeuntes virando a cara? Como falar de amor com o velhinho desconhecido, deitado na maca na esquina da minha rua, ambulância do Samu com sirenes ligadas? Como falar se o erro foi maior que o acerto, se o pijama era três números menor, se a roupa branca não serve mais? Como falar se a ficha caiu, a chuva caiu, a conexão caiu, e eu, caída no chão, emprego imenso esforço para me levantar? Como falar se o olho enche de água só de pensar, se o queixo treme, se os óculos escuros do disfarce foram deixados em outra bolsa? Como falar se eu esqueci de tudo e não sei onde estou? Como se eu fui largando pedaços de mim pelos caminhos, não usei miolo de pão, não marquei trilha para voltar? Como falar de amor se o grito é de dor? Como falar se a Fé me escapa entre os dedos, se ando olhando para baixo, se os ombros estão curvados com tanto peso? Como falar de amor se o que sinto é medo, se o que enxergo é negro, se o que ouço é nada? Como falar de um mundo coletivo, colorido, se não consigo rastejar para fora do meu particular em preto e branco? Como falar de algo que se dá, se eu não sei receber? Como falar de grandes e complexas construções se meu lego veio incompleto, se as peças não encaixam? Como falar de tintas e cores e pincéis se eu não tenho onde pintar? Ou se eu não quero pintar? Ou, ainda, se eu não consigo pintar? Como falar de amor se eu não sei onde o deixei?

MPV – março 2009

segunda-feira, 9 de março de 2009

Cansei

Cansei das brigas e discussões. Cansei dos mal-entendidos em que não adianta tentar explicar que não era bem aquilo. Cansei da chuva que não para de cair e deixa tudo molhado, encharcado, deixa o beco com cheiro de mistura de xixi e cerveja da semana passada. Cansei de sentir dores. Dores nos braços, nas pernas cansadas, com veias saltadas, na barriga endurecida, no peito a dor que não passa. Cansei de me entupir de remédios para acordar, para dormir, para comer, para não sentir dor, para voltar a sentir. Quatorze vidros enfileirados em cima da mesa da cozinha esperam por mim. Cansei. Cansei de estar com as janelas gradeadas, com as portas trancadas, com o telefone à mão. Cansei. Cansei de arrastar meus pés até o banheiro, até a sala, até a cozinha e retornar mais cansada. Cansei. Cansei da TV só funcionar em um canal que não assisto. Cansei de tomar banho. Cansei de trocar de roupa. Cansei de escovar os dentes. Cansei do cheiro de suor pela falta de banho. Cansei de falar uma lingua que ninguém entende. Cansei de mexer meus olhos e não ser compreendida. Cansei de abrir a boca e não conseguir falar. Cansei dos latidos que vêm do vizinho. Cansei das crianças que tocam a campainha e saem correndo. Cansei de tudo isso e um pouco mais. Hoje será minha última noite. Cansei. Amanhã não acordo mais. Cansei. Permanecerei cansada.

MPV – março, 2009

O Dom

Não sei falar. Meus argumentos são fracos e infantis quando me expresso pela fala. Melhor seria ficar calada e arranjar um canto para escrever. Quando falo, é demais ou de menos. Quando de menos, não me faço entender. Quando demais, acabo dizendo coisas que dão margem a múltiplas interpretações e, invariavelmente, são ofensivas, magoantes, nubla o tempo, os olhos, acaba com o dia. E depois para dizer que verde não é vermelho não adianta mais. Já foi dito e interpretado daquela maneira. Mas não era nada daquilo que eu queria dizer. Era algo que passava por aquele caminho, mas fazia um desvio que amenizava a situação. Mas como meu discurso fraco-infantil saiu daquele jeito, ouço o que não mereço ouvir. E aí? E depois? Recolho minha bolsa e passo o resto do dia entre lágrimas e bolo de chocolate. A tristeza é tão grande que a temperatura do corpo cai e eu não sinto calor nesse Rio de Inferno. Shee percebe minha tristeza e põe sua patinha no meu braço, me acompanha com o olhar quando vou fungando do quarto para o banheiro, encosta seu corpinho em mim, e o focinho gelado/molhado na dobra do meu cotovelo. Um amigo diz que não sabe como alguém que se expressa tão claramente na escrita pode dizer tanta bobagem em voz alta. Minha terapeuta dizia que comigo a sessão era dividida em duas partes: o que eu falava no consultório e o que eu levava escrito. Já são dois especialistas na minha humilde pessoa dizendo que algo está errado em minha oratória. Estou investigando um modo de quietude. Quando tiver que argumentar fraco-infantilmente, calar-me-ei. Se for imperativa a minha argumentação, que seja por escrito. Demora um pouco mais, em compensação os olhos permanecerão secos. De ambos os lados.

MPV – março 2009

Igreja e Deus

Sobre o Brasil de um modo geral, o que mais me deixou - e à minha família - estarrecida, católica por formação, mas seguindo o que considero, livremente, os mandamentos de Deus e não da Igreja, foi a polêmica em torno do aborto da menina de nove anos, estuprada pelo padastro, e as declarações daquele homem sem espírito cristão que atualmente ocupa o arcebispado de Recife. Mandou muito bem Merval Pereira em sua coluna de sábado.

Sexta fui a uma missa, encomendada (e paga, lógico) em memória de dez anos de morte da mãe de minha irmã e a homilia do padre foi na defesa da excomunhão dos médicos e equipe! Primeiro, a inadequação do tema ao motivo da missa; segundo a virulência das palavras do padre, que levavam em consideração o ato isoladamente - o aborto autorizado pela justiça - sem levar em consideração as circunstâncias, ou o risco de vida para a menina. No meio do discurso medieval, indignada, fechei olhos e ouvidos e comecei a rezar para minha família, amigos e mesmo para a menina e sua família.

Quando ele terminou, abri os olhos e fixos nele, pensei: esse padreco vai enumerar os requisitos para a comunhão. Não deu outra: Há mais de vinte anos eu não ouvia os "deveres" para poder comungar em uma missa e ele mandou: "os que quiserem receber a Comunhão, devem estar há mais de uma hora em jejum, devem ter se confessado e devem estar em conformidade com os mandamentos e leis da Igreja".

Bom, pensei: o jejum já tinha horas e a fome começara a bater; confessar, eu me confesso diariamente em minhas orações e em conformidade com os Mandamentos e Leis de Deus, estava. A Igreja é dos homens. Deus é outra conversa. Preenchi os requisitos. Comunguei.

MPV – março 2009
Enquanto espero, I'll be seeing you com Bing, Sinatra, Etta, Bennett e Billie, para sempre eterna

terça-feira, 3 de março de 2009

Setenta anos

Setenta anos. Mamãe faz setenta anos. Data redonda tem mais peso, simbolismo maior. Mamãe de setenta tem carótida entupida, sente dor na perna, diz que está cansada e caminha na Lagoa, tem os cabelos enroladinhos como um anjo louro, pequenino, a pele de porcelana, o nariz com poucas rugas, avermelhado pelo remédio da discórdia. Mamãe de setenta quase foi barrada no caixa dos idosos porque uma velhinha achou-a muito novinha. E olha que mamãe de setenta nunca fez plástica!
Mamãe de setenta não quer festa, ou celebração com grande turma, só a família diminuta e o calor do Rio. E a cunhada-irmã que chegou de surpresa, vinda dos pampas, trazendo movimento e alegria para a casa. O telefone não para, ela atende com satisfação e certo orgulho. Mamãe faz setenta.
Pela manhã, mamãe de setenta, ganhou presentes, beijos e latidos. À tarde sentiu dor na perna. À noite comemorará conosco sete décadas, sete dezenas de vida, parabéns para mamãe de setenta. Tenho que ir. Mamãe de setenta já ligou exigindo minha presença mais cedo.

MPV – março 2009

Raiva

A raiva que senti foi indescritível. Sem medidas de tempo, espaço ou tamanho. De dentro do estômago brotou a onda nauseabunda de frango, milho, cerveja e raiva, transformando-se em tsunami vomitada em seu rosto, em seu cabelo, em seu colo, tirando-me a cor do corpo e tingindo minha cara de vermelho cor-de-esmalte-descascado. Você recuou dois passos, levantou os braços, pediu calma, olhou para as próprias roupas nojentamente molhadas, fedidamente empapadas, mas não se olhou no espelho, não viu sua cara de mentiroso nojento, de mentiroso contumaz, de mentiroso desleal. Desleal! Eu devia ter jogado o espelho em você, para que dessa vez, pelo menos dessa única vez, você conseguisse enxergar o que todo mundo vê, menos você. E eu. Até então. Não mais. Abri a porta da casa, expulsei adão do paraíso, vassoura em punho, varri seus cacos pela escada, atirei suas coisas no jardim, tal clichê de novela, soltei os cachorros e ameacei chamar a polícia. Janelas vizinhas se entreabriram, olhos curiosos avistaram a baixaria há tanto aguardada no bairro, a notícia correria rápido antes do dia amanhecer, mas você já estaria longe, num caminho sem retorno. Desejei que seu carro espatifasse na primeira curva, ansiei para que rolasse ribanceira, enxerguei seu corpo inerte no caixão, sem mais possibilidade de fazer mal a ninguém, mesmo que esse alguém quisesse sentir a força de sua maldade, o tamanho de sua deslealdade, a sua capacidade de trair sorrindo. Com o sorriso de menino que tantas vezes achei ser meu, mas que agora jazia no fundo do poço dos desalmados. Pedi para que você morresse porque assim a dor da traição seria trocada pela dor do nunca mais, mas você saiu rápido de cena, desapareceu na bruma e não ousou voltar. Ainda vive. Ainda é capaz de levar seu sorriso sociopata a outro alguém. Morreu lentamente para mim, que já não sinto raiva, não falo seu nome, não lembro de sua voz, esqueci seu rosto.

MPV – março, 2009

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Três Grandes sobre Lisboa

Domingos Amaral, Enquanto Salazar dormia...

“...nessa Lisboa que estava fora e dentro dela ao mesmo tempo. Local único na Europa, linda e cheia de luz, mas também de medo, a Lisboa onde vivi tanto que, por mais que viva, e muito tempo depois, nunca mais vivi como ali, aqui, nesta Lisboa.”

“... Não podem compreender um dos segredos da humanidade, um segredo estranho e perturbador: em tempo de guerra, o desespero toma conta das almas e as pessoas amam como loucas.”

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Josué Montello, Enquanto o tempo não passa

“Sem calor nem frio, na variedade das cores vivas que lhe ressaltavam a harmonia do conjunto, Lisboa unia agora em mim o presente e o passado, como se o tempo estivesse a fluir sem destruir a si própria. A novidade, ali, era eu mesma, com a experiência vivida e as lembranças intactas, subjacentes a curiosidade do olhar. Se a memória reclamava uma esquina, uma janela, um portal, um balcão, um beiral,..., as pupilas atentas reencontravam a minúcia objetiva, e a emoção do reencontro subitamente se completava.”

“...- Quem foi feliz em Lisboa, e aqui regressa, como estou regressando agora, tem o dom de transformar o passado em presente...”

“...E, a despeito de amar Lisboa e de ter ali velhos amigos e belas recordações, só pensava no meu regresso ao Rio...”

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Miguel Torga, Natal 1968

“...Voltam agora ao berço, roídos de saudades. E não é sem apreensão que os vejo pisar, já menos toscos de aparência, o amado chão da origem. É que muita água correu sob a ponte desde que se ausentaram.

Mas a pátria é um ímã, mesmo quando a universalidade do homem, como neste preciso momento, sai finalmente dos tacanhos limites do planeta. Poucos resistem à sua atração ao verem-se longe dela, seja qual for a órbita em que se movam.

Por mais fortuna que tenham pelo mundo a cabo, é com o ninho onde nasceram que sonham noite e dia. É que só nele se exprimem corretamente, estão certos nos gestos, são realmente quem são.

Pode ser que o exemplo seja seguido, e o êxodo, que empobreceu a nação, comece a fazer-se em sentido inverso, e as nossas misérias e tristezas mudem de fisionomia.”

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009



Conhecemos Mila, o espelho do futuro, uma dachs como eu, sete anos mais velha. Ela já foi da minha cor, agora está bem grisalha, se é que posso dizer assim de seu pelo quase branco. Vimo-nos através de grades, eu não lati, ela teve dificuldade para caminhar. O espelho do futuro, como minha dona falou. Eu mesma, nos últimos três anos, ganhei pelos brancos ao redor de meus olhos, em meu focinho. Deve ser o stress da cidade grande, pode ser somente o passar dos anos. Meu porte ainda altivo, enfrento outros cães, de qualquer tamanho, que latem para mim na rua. Eles não respeitam meus pelos brancos, lato de volta, ferozmente, para mostrar que só a cor está mudando, eu continuo a mesma: forte, impávida, um colosso!
Minha master resolveu sair atrás, bem atrás, de um bloco de carnaval e fomos andando de casa até a rua de mastervó. Subi o Corte com força e paramos algumas vezes para beber água. Uns gaiatos falaram para minha dona "tirar a fera da rua!" em uma referência clara a mim, acho que em tom de deboche. Nem foi comigo. Mas ela riu muito. Se eles insistissem, eu "garrava" na perna de um, só para mostrar com quantos dentes se faz uma mandíbula forte de um cão pequeno!
Bom, agora, depois da farra momesca, uma comidinha gostosa e um banho refrescante, um sono reparador que ainda faltam dois findis para o ano começar.



quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Copos de Cristal

Encho a boca com o primeiro gole de uísque do dia, desce forte e quente, bebo sem gelo. Dou o segundo e o terceiro goles e emito um som de repulsa e satisfação ao mesmo tempo. A lembrança do primeiro gole me vem à mente e encho novamente o copo. Caminho, ainda inteiro, até a varanda, sem sol, lusco-fusco, anoitece na cidade que não dorme. O segundo copo, em três longos goles, desce mais fácil e eu o encho pela terceira e quarta vezes. Sirenes me fazem olhar para a rua movimentada e imagino como seria me desequilibrar e cair do alto de 20 andares. Acho que viraria sopinha de gente e quebraria em mínimos cacos o copo de cristal que seguro, herança de família. O que seria pior? Limpar a sujeira de meu sangue espalhado pelo páteo da piscina ou encontrar os caquinhos de cristal que ferirão as crianças descalças que forem brincar quando a área for liberada? Oops! O equilíbrio foi embora, agora tenho que me escorar nas paredes para encher, talvez, já perdi a conta, o sexto copo da noite. Vejamos: o primeiro foi lá pelas dezoito horas e são... quase oito da noite. Nada mal... Not bad at all... Seis doses do mais puro scotch em menos de duas horas... Como não comi nada durante o dia, geladeira vazia, o efeito é mais rápido e como o álcool me afeta sobremaneira – será que sou um alcóolico? – já não falo coisa com coisa. Mas não falo nada, é só meu pensamento que ecoa em minha cabeça. Acho que o vizinho ligou uma música. Ou será que fui eu que deixei o aparelho ligado desde, desde... quando mesmo? Acho melhor me afastar da grade da varanda. Tropeço em meu caminho e o copo da família espatifa no chão. Rio, gargalho muito, lá se vai o conjunto completo... Conjunto completo, herança de família, nunca mais! Continuo rindo e pego outro copo, encho novamente, a garrafa já está no fim, amanhã terei que lembrar de não andar descalço por aqui.

MPV – fevereiro 2009

Eu Confiei em você

Eu confiei em você. Acreditei mesmo quando todas as circunstâncias me diziam o contrário. Naquela noite chuvosa, você repetiu frases de novela em meus ouvidos e eu não assisto novela. Acreditei. Achei que seria para sempre o que durou pouco. Você cantou, contou sua história, me desarmou dos meus medos, me disse que sua procura terminara. Acreditei. No entanto, você não gostava de sol, não gostava de céu, não gostava de mim. Eu confiei em você quando me impediu de ir embora, desfez minha sacola, quando me sentou em seu colo e chorou em meu ombro. Repetiu que sua procura terminara, sua vida seria outra e eu estaria nela para sempre. No entanto, você não gostava de sol, não gostava de céu, não gostava de mim. Eu confiei em você quando me escreveu cartas de amor, eternizou nossos momentos em fotos agora sem cor, quando sorriu e riu para mim, me enlaçando em seus braços. No entanto, você não gostava de sol, não gostava de céu, não gostava de mim. Finalmente acreditei.

MPV – fevereiro 2009

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Benjamin

O filme de David Fincher, em cartaz nos cinemas, com Brad Pitt e Cate Blanchett é bom, muito bom. Já ouvi críticas negativas que atribuo à imagem deslumbrante do ator, conforme os efeitos de maquiagem o vão fazendo rejuvenescer. Ele fica mais jovem do que realmente é e mais bonito. Talvez outro ator escolhido, a crítica fosse menor. Mas o contraste poderia não ser tão forte.

Mas não é somente sobre o filme que quero falar, é sobre o conto em que foi baseado, de F. Scott Fitzgerald, esse sim, magnífico. Dor, solidão, descoberta e abandono se confundem à medida que Benjamin novo-velho se transforma em velho-novo. A contradição entre desejos e consumação de vontades e a capacidade física chega a doer em alguns momentos. No conto, num realismo fantástico, Benjamin já nasce grande e velho. Velho em todos os sentidos. Conforme rejuvenesce o corpo, a mente acompanha sua involução e ele passa, já velho na idade, mas novo no corpo e imaturo no espírito a querer realizar o que não lhe foi possível anteriormente. Situações ridículas e esdrúxulas acontecem àquele que involui. Chega-se a sentir pena, sente-se dor no estômago e a empatia gerada, no sentido psicanalítico da palavra, entre leitor e personagem é inevitável.

Veja o filme, leia o conto, disponível, em inglês, nos sites de obras em domínio público, ou procure na Livraria da Travessa mais próxima de sua casa. Imperdível.

MPV - fevereiro 2009

Tarde Demais

Eram jovens, bonitos, cheios de vida. Tudo conspirava contra, mas eles tiveram força para continuar. Ele sonhava com céus, estrelas e nuvens brancas. Ela carregava uma segurança incompatível com sua idade. Ele sorria sempre e agia como um menino. Ela enxergava os próximos 20 anos. Ele vivia nas nuvens. Ela sonhava com a vida. Ele voava em seus pensamentos. Ela pensava em voos apaixonados. Ele tornou-se distante. Ela voou para longe. Ele voltava sem estar. Ela tornou-se ranzinza. Ele deixou de rir. Ela passou a chorar. Ele não via TV. Ela reclamava de tudo. Ele tentou sorrir. Ela disse que era tarde demais.

MPV – fevereiro 2009

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Nasci Velho

Nasci velho, embrutecido, nada a ver com Benjamin, do excelente conto de Scott Fitzgerald, cuja essência e ela somente, encontra-se no filme de David Fincher. Nasci antiquado, preconceituoso, reacionário mesmo. Grande juiz dos casos de valor ocorridos em minha vila. Sorriso disfarçado-disfarçava a inconveniência das pessoas ao meu redor, sempre erradas. Se sorriam, se dançavam, se viviam, erravam. Minhas rugas eram internas, de preocupação constante com o olhar do inimigo, com o exame dos outros sobre mim mesmo. Covarde, ao ponto de não querer ver, medroso de olhar o outro lado dos conceitos que nasceram comigo, o velho e embrutecido.

Em um processo lento e tortuoso para mim, instantâneo para quem me conhecia, fui rejuvenescendo e aprendendo a ver com os olhos dos outros os casos alheios. Deu-se o inverso em minha vida. Aqueles a quem julgara por tantos anos, passaram a me julgar, todos que sorriam franziram os cenhos e com os punhos cerrados ao alto, brandiram nomes e correram a me encarcerar.

Já era tarde. A sucessão de mudanças já havia atingido o ponto do não retorno. Dali, não haveria volta. Covardes e preconceituosos, deixei-os pela estrada, busquei novos campos, conheci outros lados, invoquei novos conceitos, e dentre eles, o mais sagrado: a abertura total dos olhos, a busca do desconhecido, a curiosidade a me guiar, fazendo-me um novo homem, um homem novo, jovem no espírito, leve, sem rugas.

O caminho não é fácil e as tentações de peso são inúmeras. Mas nunca novamente serei o homem velho que era quando nasci.

MPV – fevereiro 2009

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Vários em Janeiro

Aniversário do Ber hoje.

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Acabei de ver na Globonews: mais de 20 golfinhos nadando e mergulhando nas praias da Barra, Leblon e Ipanema. Lindo!

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O calor é forte, mas a chuva cai na maior parte do tempo. Já tá ficando chato.

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Minha mãe: "mataram um perto da loja de sucos".
Eu: "E o que você vai fazer lá????"
Ela: "Colocar uma bolsa no conserto"

A banalidade da morte. A vida continua para quem não o conhecia...

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Shee anda impossível. Agora deu para atacar o banheiro quando saio e rói sabonete. Sabonete! Eu que me vire com o resultado dessa comilança depois! Será que ela leu o livro do Marley e quer imitar? Vou ter que ligar para Dr. Terror me dizer o que fazer.

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Arrumar tempo para escrever sobre sonhos, alegrias, crenças e esperança.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Os Filhos de Beibe e seus Companheiros de Riso

Uns dizem que ela-pé-quebrado, sentou na janela e viu a banda passar. A banda, a bunda, os braços, os beijos perdidos de um carnaval distante. Dizem também que quis entrar numa festa-de-sabão, suas amigas impediram. Ainda contam que desmaiou quando o desdentado sorriu pra ela no meio da praça, foi parar no pronto-socorro, amônia no nariz e glicose na veia. Contam que a vaquinha perambulou por castos pastos até cansar de ruminar. Relatos confiáveis informam que albaneses sequestraram os vídeos das festas da Mariozim e cobram fortuna em euros como resgate. Quiseram tirar fotos, ninguém sabe, ninguém viu.

Uns dizem que ele namorou todas as meninas de Perequê, até hoje é cabra procurado na cidade, não passa nem pela estrada. Dizem também que ele chegou vestido de hipopótamo faltando uma orelha, fala arrastada, e não sabe onde deixou ficar um pedaço de si. Ainda contam que ele bebia xiboquinha nas barracas da feira, insistia para provarem, não havia drink igual. Contam que ele saiu revoltado da concentração da Escola e foi sambar em outra avenida com lata de cerveja na mão. Relatos confiáveis informam que faz parte das perguntas de formulários de seguros: se ele está presente, o seguro sai mais caro. Quiseram tirar fotos, ninguém sabe, ninguém viu.

Uns dizem que ele abraçava todos os postes pelo caminho. Não se sabe se era amor ou bebedeira. Dizem também que ele foi arrastado pelo veleiro, em ventos de calmaria, mas pediu pelamordedeus para parar porque a sunga ficou para trás. Ainda contam que ele fez um pacto do “ninguémronca” e não houve guerreiro corajoso para denunciar. Contam que eram três rapazes elegantes, com três meninas: uma não gostava de carnaval, outra não gostava de namorar e outra se chamava Rodrigão. Estão correndo delas até hoje. Relatos confiáveis informam que o leão do blurps e arghs desmaiou em um banco de praça depois de esmurrar a porta de um quarto de hotel e não saber onde estava hospedado. Quiseram tirar fotos, ninguém sabe, ninguém viu.

Uns dizem que ele abriu o bote inflável na sala e toda a areia de Mambucaba estava lá dentro. A faxineira olhou praquilo, pediu as contas e foi trabalhar em outra freguesia. Dizem também que ele vendeu o mesmo barco para os velhinhos do asilo inúmeras vezes. Ainda contam que parou o barco na praia ao lado, ficou inebriado com tanta gente feia e passou mal durante dias. Contam que eram três rapazes elegantes, com três meninas: uma não gostava de carnaval, outra não gostava de namorar e outra se chamava Rodrigão. Estão escondidos delas até hoje. Relatos confiáveis informam que ele deixou a vassoura na mão do irmão e se arrancou da casa antes da faxina geral. O irmão tentou levantar voo, mas era uma vassoura sem poderes. Quiseram tirar fotos, ninguém sabe, ninguém viu.

Uns dizem que ele pegou o isopor cheio de cerveja da festa que não aconteceu e levou para a mansão dos pobres. Ainda procuram pela bebida, o isopor ele guardou na garagem. Dizem também que ele chegou com moça de boa família, do tamanho dele, trazendo uma rede da vizinha, pendurou na parede e ficou lá com elas, a moça, a rede e a vizinha, por dias a fio. Ainda contam que, vestido de elefante, deu um urro monumental e expulsou os filisteus do ônibus cheio das suas meninas. Contam que eram três rapazes elegantes, com três meninas: uma não gostava de carnaval, outra não gostava de namorar e outra se chamava Rodrigão. Estão fugindo delas até hoje. Relatos confiáveis informam que ele dirigia na contramão da estrada, propositalmente, só sairia se aparecesse carro. Quiseram tirar fotos, ninguém sabe, ninguém viu.

Uns dizem que a narradora era uma espiã infiltrada. Dizem também que ela mantinha diários secretos. Ainda contam que existem fotos comprometedoras escondidas num bunker em serras fluminenses. Contam que ela decidiu fazer um filme com os vídeos resgatados dos albaneses. Relatos confiáveis informam que ela começou em Laranjeiras e não parou de dançar até hoje. Quiseram tirar fotos, ninguém sabe, ninguém viu.

MPV – janeiro 2009
Fizemos história, contamos estórias e rimos muito. A história continua e continuamos rindo. A vida é isso.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Segunda de trabalho; segunda de cachaça acadêmica; terça feriado no Rio; terça posse de Obama; terça discurso de Obama; quarta queria ter escrito aquele discurso; quarta de trabalho; quarta de muita chuva; quarta final de temporada da série; quinta cabeça cheia; quinta trabalho cheio; quinta de tempo nublado; sexta ainda não chegou. Deixa eu voltar pra concentração.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Elton John - Nikita

Hey Nikita is it cold
In your little corner of the world
You could roll around the globe
And never find a warmer soul to know
Oh I saw you by the wall
Ten of your tin soldiers in a row
With eyes that looked like ice on fire
The human heart a captive in the snow
Oh Nikita You will never know anything about my home
I'll never know how good it feels to hold you
Nikita I need you so
Oh Nikita is the other side of any given line in time
Counting ten tin soldiers in a row
Oh no, Nikita you'll never know
Do you ever dream of me
Do you ever see the letters that I write
When you look up through the wire
Nikita do you count the stars at night
And if there comes a time
Guns and gates no longer hold you in
And if you're free to make a choice
Just look towards the west and find a friend

Elton John - I've seen that movie too

"I can see by your eyes you must be lying
When you think I don't have a clue
Baby you're crazy
If you think that you can fool me
Because I've seen that movie too"
Tento avançar uma página por dia...Batuco as teclas, batuco a cabeça, batuco o tambor, mas só consigo um ou dois parágrafos. Me distraio, levanto, bebo sucos, dou voltas em mim mesma, mas só consigo poucas linhas. Olho para o teto, ouço música, navego na internet e em sonhos, mas só consigo umas palavras. Brinco com a Shee, falo ao telefone, respondo o msn, mas só consigo meia dúzia de letras. Suspiro, suspiro e suspiro...

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Nem assim

Larguei o ciclete, o álcool, o fumo, o jogo. Joguei fora o baralho. Deixei as ruas, as drogas, as más companhias, as boas companhias, todas as companhias. Joguei fora a caderneta de telefones. Tomei banho todos os dias, usei perfume, lavei os dentes, passei minha roupa, endireitei a gola, penteei o cabelo. Joguei fora o espelho. Não xinguei, esqueci o palavrão, tentei falar bonito, comprei flores. Joguei fora minha arma. Arrumei casa, escovei chão, limpei privada e pia, arranhei a mão na ponta quebrada do azulejo. Joguei fora o lixo. Comprei jornal, arrumei emprego, cumpri horário. Joguei fora o ócio. Usei telefone, me inscrevi no vestibular, estudei com afinco, me formei na faculdade. Joguei fora a ignorância. Recebi convite, mudei de emprego, fiquei rico. Joguei fora a simplicidade. Fiz amigos, casei, tive filhos. Joguei fora a irresponsabilidade. Fiquei importante, fiquei esnobe, fiquei arrogante. Joguei fora minha vida. Joguei fora, joguei fora, joguei, comprei um baralho, masquei chiclete, voltei a beber, a fumar, traí todo mundo, meus amigos, minha família, minha empresa. Nem assim.

MPV - janeiro 2009

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Os Filhos de Beibe

Pisquei os olhos e se passaram dez anos. Fomos os Filhos de Beibe, nas colinas das minas gerais em cinco dias de folia, gargalhada e suadeiras. Os causos, registrados no Diário de Terra II, ficaram como recordações suaves de tempos sem descanso. A partir daquela data, como em um pacto descombinado, os quatro companheiros, mosqueteiros em viagem, mudaram suas vidas, seus destinos, os programas, os afetos, suas casas, os trabalhos, as famílias. Só as músicas permaneceram.

Riroca e Pedrobaby procriaram, não um com o outro, que Deus é grande, mas com seus respectivos digníssimos; Zébelê resolveu aparecer quando Nanashara estava pintando-pintada de verde dos pés à cabeça; Nanashara desapareceu de tudo como bruma em noite de serra. Só as fotos permaneceram.

Riroca e Nanashara mantêm contato permanente. Riroca, Pedrobaby e Zébelê mantêm contato esporádico. Pedrobaby liga uma vez por ano, na véspera do seu aniversário, para ganhar presente; Zébelê continua um enigma risonho; Riroca continua encantando e Nanashara voltou a escrever. Os quatro mosqueteiros, ex-companheiros de viagem, combinaram almoços, lanches, passeios e risadas que nunca se concretizaram. Só a vontade permanece.

MPV - janeiro 2009

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

No restaurante cheio

NO RESTAURANTE CHEIO
“Bernardo, Pedro, corram e cerquem a mesa para nós.”
“É para levantar a perninha e mijar nos cantos também?”

Máximas Familiares

PARA RESPOSTA DESAFORADA
"Bah...Nunca vi poste mijar em cachorro!"

TODO O TEMPO
“Tás louca ou te falta um braço?”

TRÊS VEZES AO DIA
“Heloisa, fica quieta!”

NO RESTAURANTE URUGUAIO
“Magro é f... A gente aqui se afofando de comida e magro diz que não tem mais espaço!”

TODOS OS DIAS, AINDA NA MESA, ACABANDO DE ALMOÇAR
“O que vamos fazer para o jantar?”

DE MANHÃ, À TARDE E À NOITE
“Queridinha, o que você quer beber?”

TODOS OS DIAS
“Renatinha ligou.”

SEMPRE QUE ALGUÉM VOLTAVA DO SUPER COM PACKS DE CERVEJA
“Comprou as mostardas do Leandro?”

NA PISCINA
“Cadê a sombra?”
“Eu não mudo mais!”

NO TRAJETO
“Aprendeu o caminho?”
“Como? Se cada vez você faz um diferente?”

EM CASA
“Achei minha lente na toalha!”

Família reunida em julho de 2008