quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Meu Herói

Como eu poderia sair dessa? Precisava arrumar um jeito de escrever o best-seller que deveria ter escrito há mais de um mês e fingia esquecer. Uma viagem de férias no meio do período foi providencial e me ajudou a adiar. Mas, agora, não existia mais como fugir dele.

Normalmente, quando ia escrever alguma coisa, primeiro eu pensava na idéia básica que me martelava a cabeça durante algum tempo. Quando ela já havia amadurecido o suficiente (o que muitas vezes significava dias e noites de martelação), eu começava a escrevê-la.

O problema era justamente esse; já havia passado muito tempo e nada surgia no front. Nem mesmo a idéia básica. Eu viajei com aquela barulheira infernal em minha cabeça e nada aconteceu. Abri a gaveta mental de idéias, mas ela se recusou a me dar qualquer ajuda para o tema. Comecei a escrever assim mesmo. Pilhas de papel foram para o lixo.

Resolvi, então, fazer uma última tentativa. Relembrei os ingredientes para o texto: belas paisagens, (que se transformariam em locações), intrigas, pessoas bonitas, poderia até colocar um suspense na jogada. Eu tinha que escrever a estória de olho nos milhões de dólares que iria receber com a venda dos direitos de filmagem para Coppola. Tudo bem cinematográfico. Mas as idéias não fluiam. Pensava no herói, imaginava quem seria, como se vestiria e o que sentiria. Poderia ser um inescrupuloso investidor da Bolsa, de nome Wallace James, que conseguia tudo, tinha um harém de fãs e só andava em sua limusine tripla, infinitamente branca. Poderia ser uma super executiva, independente, desejável, que controlava um conglomerado de empresas. Ela se chamaria Elizabeth (homenagem à minha amiga invisível da infância) e teria o mundo a seus pés.

Mas não adiantava. Quanto mais eu pensava no herói do cinema, mais me surgia a imagem do herói-nosso-de-cada-dia, do anti-herói, da gente comum. Quanto mais eu imaginava as belas locações no sul da França, mais eu via o Seu José, pés no chão, andando seus não sei quantos quilômetros diários para chegar ao canavial. Quanto mais eu via o jatinho particular, levando Wallace James para aonde bem desejasse, mais eu enxergava os habitantes de uma vila perdida no meio do nada, com suas roupas limpas de domingo, andando em direção à igreja, onde cantariam seus hinos e louvariam o amor. E por mais que desejasse Coppola, só encontrava gente do povo, cineastas que são, rascunhando seus próprios roteiros.

Achei melhor, então, escrever sobre o Seu Gualberto, aquele que tinha um sonho...Não. Isso já é outra estória. Fica para o exercício de época.

MPV - julho 1990

Nenhum comentário: